JC Notícias
04/04/2025
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador aposentado do IBGE
“A sorrir
Eu pretendo levar a vida
Pois chorando,
Eu vi a mocidade perdida”
O sol nascerá, Cartola
A minissérie britânica Adolescência, lançada em 13 de março de 2025, se tornou um sucesso absoluto da Netflix, ao tratar dos problemas dos adolescentes e da desconexão entre adultos educadores e os hábitos digitais de jovens, colocando em xeque a ilusão de que adolescentes estão seguros nos seus domicílios e em suas escolas e que serão adultos comprometidos e felizes.
Porém, a fragilidade da juventude e a falta de conversa com os adultos e idosos é assustadora, pois a sucessão de gerações necessita de uma reciprocidade intergeracional. Se os progenitores cuidarem adequadamente das crianças e dos jovens, formarão uma geração adulta saudável, produtiva, colaborativa e responsável tanto por si mesma quanto pelos seus predecessores. No entanto, se as gerações mais velhas falharem na educação e no desenvolvimento das mais jovens, a mobilidade social ascendente será comprometida.
Neste sentido, a série da Netflix não trata apenas da adolescência, mas sim de um drama que afeta todas as faixas etárias e tem impactos individuais, familiares, educacionais e sociais. Logo na primeira cena assistimos à prisão do adolescente Jamie Miller, de 13 anos, acusado de matar sua colega de classe, Katie Leonard, também de 13 anos. O drama prossegue com os personagens e os expectadores tentando entender as motivações e as consequências para o jovem, sua família, a comunidade escolar e para toda a sociedade que se encontra extremamente polarizada e dividida em termos culturais.
O crime impacta mesmo, mas chama a atenção para o que está acontecendo com a juventude e as disjunções existentes entre filhos, pais, educadores, colegas de escola, vizinhos e a dinâmica econômica, política, social e cultural do país. A maneira como os adolescentes lidam com a internet e transitam pelas redes sociais é uma das pistas para a compreensão da anomia social, provocada pelas intensas transformações no mundo atual.
A modernidade, com suas mudanças e complexidades, destrói valores antigos, mas não fornece um consenso para os novos princípios, deixando um vazio no cotidiano de muitos indivíduos. O sistema escolar, ao invés de preparar a juventude para os novos desafios da sociedade moderna, se torna um fator adicional de conflito interno (entre alunos, professores e funcionários) e externo (entre a escola, as famílias e a sociedade). Existe uma crise na saúde mental individual e coletiva.
A investigação do crime de Jamie Miller revela uma atmosfera escolar conflituosa, tanto no plano presencial, quanto virtual, com relações desarmoniosas baseadas em sucessivas violências reais e simbólicas, alimentadas pelo compartilhamento de fotos íntimas, bullying e cyberbullying. Os corpos discentes e docentes não se entendem e os estudantes comunicam-se entre si, pelas redes sociais, usando de uma linguagem indecifrável para as autoridades escolares e familiares, com a utilização de emojis (imagens utilizadas em chats para transmitir emoções) visando apoiar, mas também constranger e humilhar uns aos outros.
A série Adolescência veio em um momento oportuno e tem contribuído para realçar os conflitos existentes no seio da juventude e a falta de diálogo intergeracional. Dificuldades nas relações familiares, pressões escolares, racismo, LGBTfobia, misoginia, sexismo e xenofobia são fontes de sofrimento que agravam a saúde mental. Distante de ser um ambiente neutro, a escola é uma instituição que carrega as contradições sociais, sendo, ao mesmo tempo, um espaço de aprendizado e de reprodução das desigualdades sociais e dos preconceitos.
O ator que interpreta o pai de Jamie Miller, Stephen Graham, é também roteirista e produtor executivo da produção. Ele protagoniza o quarto episódio da série, mostrando como o crime do adolescente afetou sua família (irmã, mãe e pai). No dia do aniversário de 50 anos, o pai até tenta comemorar indo ao cinema com a esposa e a filha, mas uma série de inconveniências e contratempos com os vizinhos transformam a possível comemoração em um momento de sofrimento e com uma chamada telefônica de Jamie dizendo que iria se declarar culpado pelo crime.
O último episódio da série se encerra com um diálogo profundo entre marido e esposa, quando avaliam o que fizeram de errado e deixam transparecer a falta de esperança não só da família, mas de toda a situação que envolve as instituições, a cultura e a difícil convivência social. Um casal afetivo e buscando dar o melhor de si é devastado pela contingência e de uma sociedade desfuncional.
Sem dúvida, o apoio da família e da escola é essencial para a construção da identidade individual e para auxiliar os jovens na transição para a vida adulta. Em um cenário de conflitos sociais e ambientais cada vez mais intensos, a economia da atenção torna-se crucial. Em tempos de rápidas transformações tecnológicas e culturais, esses desafios podem gerar tensões, enfraquecer a autoconfiança e abalar a confiança mútua entre as pessoas. O choque de expectativas entre autoridade adulta e autonomia juvenil abre espaço para os conflitos sociais e intergeracionais.
A série Adolescência aborda os desafios da menoridade e da maioridade, deixando clara a importância das conexões intergeracionais no suporte social entre diferentes faixas etárias. Há um conflito não resolvido entre os adultos que querem exercer a autoridade e os adolescentes que querem ser ouvidos. De um lado, os adultos (pais, professores, mentores) sentem a necessidade de guiar, proteger e impor limites com base em sua experiência e responsabilidades. De outro, os adolescentes buscam autonomia, reconhecimento e validação de suas emoções e opiniões, pois estão em um momento de desenvolvimento da identidade e construção da independência.
A forma como as sociedades lidam com as novas configurações demográficas e as transformações de seus paradigmas, assim como promovem o equilíbrio entre gerações influenciam diretamente o bem-estar coletivo. Construir pontes entre as pessoas e fortalecer o diálogo intergeracional é fundamental para uma sociedade mais justa, harmoniosa, próspera e menos tempestuosa. O equilíbrio das estruturas econômica, social e cultural da pirâmide demográfica é essencial em todos os aspectos do cuidado da vida.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia e pesquisador aposentado do IBGE
*O artigo expressa exclusivamente a opinião do autor