Conselho de classe: espaço democrático de análises e decisões
Enílvia Rocha Morato Soares
Professora aposentada da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
Mestra e doutora em Educação
Integrante do Grupo de Pesquisa Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico
A ideia da criação de conselhos ganha força a partir da Constituição de 1988 que enfatiza o conceito de descentralização, impelindo o exercício da democracia, da cidadania e da participação. Pode-se ver, a partir de então, “nos municípios e nos estados, toda uma efervescência pela criação de conselhos” (PAZ, 2004, p. 19) que fez emergir uma “nova cultura cidadã” (Idem, p. 22), pautada na participação da sociedade civil em parceria com o poder público. Quando partilhada, a gestão impõe aos que dela participam a assunção de responsabilidades e, junto dela, o gozo das conquistas obtidas via análises e decisões coletivas.
Não acontece diferente no cenário escolar, onde diferentes colegiados se unem e se articulam em torno de objetivos comuns que norteiam a organização e a realização do trabalho que permitirá alcançá-los. O conselho de classe é um deles. Composto de diferentes vozes que ecoam distintas posições frente à realidade vivenciada, o conselho de classe abre portas para o exercício de uma estrutura de gestão composta por instâncias de participação que atuam interconectadas entre si e entre os sujeitos que as integram.
Gerir o trabalho educativo escolar de modo que envolva o conjunto de seus sujeitos não constitui processo facilmente implementado, se considerados os desafios impostos pelo meio social, cuja organização se mostra contrária a práticas verdadeiramente participativas. Isso significa que nem todas as formas de participação resultam na constituição de coletivo, modo de organização que remete ao conselho de classe e se faz indispensável a uma escola capaz de materializar relações sociais formadoras. A realização de “trabalho coletivamente organizado” (Caldart, 2023, p. 157), comum em nossas escolas, é um exemplo disso. Segundo a autora, ele difere de “coletivo” que se forma para ou a partir de realizar o próprio trabalho. Estão ligados, mas não são a mesma coisa. O trabalho coletivo é uma forma de organizar (ou auto-organizar) a realização de uma atividade ou tarefa específica. Diz respeito à atividade, correspondendo ao seu conteúdo específico e duração. duração. Quando a atividade passa a ser duradoura ou o mesmo grupo realiza atividades sistematicamente, isso gera a necessidade de um coletivo que, embora se defina pelo conteúdo das tarefas que levaram à sua criação, se torna uma referência na vida de seus membros, para além da realização das atividades em si. E esse coletivo pode tomar parte de uma coletividade maior na qual interagem diferentes coletivos menores. (Caldart, 2023, pp. 157 e 158).
Segundo Pistrak (2018), coletivos somente se desenvolvem quando sujeitos se unem conscientemente “por determinados interesses que lhes são próximos” (Idem, p. 228). Com o intento de melhorar continuamente o trabalho pedagógico e, em decorrência, promover a progressiva construção de aprendizagens por todos na escola, em especial, pelos estudantes, o conselho de classe sintetiza os interesses em torno dos quais seus membros se conectam, tornando-o um coletivo.
Assim constituído, o conselho de classe pode ser definido como instância coletiva que, junto aos demais colegiados que compõem a escola, possibilita a análise do trabalho por ela desenvolvido, permitindo que seja reorganizado sempre que preciso. Isto significa que o trabalho do qual se ocupa o conselho é essencialmente avaliativo. Faz-se necessário, portanto, que as atividades por ele realizadas se pautem pela função formativa da avaliação, entendimento que norteará as discussões aqui apresentadas.
A dinamicidade evidenciada no ciclo avaliação-planejamento-avaliação está presente no conselho de classe, o que faz dele um processo em permanente construção e reiteradamente inacabado. Isso porque o conselho não é um momento pontual que finda ao término do tempo a ele destinado. As reflexões, discussões e decisões que nele acontecem se desdobram em práticas que voltarão a ser repensadas e reajustadas em um próximo encontro. É o “ciclo da avaliação formativa” (Villas Boas et al, 2025, p. 48) movimentando o conselho de classe.
Embora deva atender a orientações gerais presentes nas diretrizes das redes de ensino, cada escola deve pensar o seu conselho de classe segundo suas demandas. Cada escola é única e como tal deve ser considerada ao pensar e organizar o seu conselho. Um mesmo ambiente escolar pode também apresentar necessidades de diferenciação entre os conselhos que realiza, optando por mais de um formato, caso se mostre viável e traga contribuições ao trabalho pedagógico.
É no projeto político-pedagógico (PPP) que as escolas descrevem seu(s) conselho(s) de classe. Nele são especificadas as características que os particularizam: quais profissionais participam desses encontros? Estudantes e pais ou responsáveis também participam? Há momentos de pré-conselho ou pós-conselho? Como e por quem são conduzidas as reuniões do conselho? Como e por quem são feitos os registros das discussões? Como são utilizados esses registros após o conselho e nos encontros seguintes? É frequente a participação de professores novatos? Como eles são providos das informações que precisam para suas análises?
Por não ser estático, o conselho de classe pode ser modificado visando melhorias nele próprio, no trabalho pedagógico que a ele se segue e nas aprendizagens decorrentes de todo esse processo. É no PPP que encontramos “pistas”, indicativos de como o trabalho pedagógico é organizado e realizado, sendo o conselho de classe uma importante parcela desse todo.
A capacidade organizativa necessária à concretude do coletivo, aqui tomado como conselho de classe, requer dos envolvidos o exercício prático da auto-organização, categoria sociopedagógica apontada por Caldart (2023) como uma das tarefas educativas da escola na atualidade. O coletivo é, portanto, um tipo de auto-organização que alude a um meio de organizar as relações sociais, incluindo os conflitos e contradições que lhes são inerentes. Trata-se de uma “modalidade organizativa sem dúvida exigente. Exige empenho pedagógico e uma capacidade de análise sistemática da materialidade posta e da que vai sendo construída. Essa forma de auto-organização põe em questão a forma de relações sociais entre os indivíduos em situações reais de convivência, nem sempre fáceis e para tarefas com objetivos que podem não ter a compreensão prévia de todos. Experiências próximas a nós mostram, porém, que essa intencionalidade prática é possível desde que seus diferentes sujeitos se abram a esse processo formativo e busquem conscientemente superar falsas visões do que seja individualidade e também visões idealizadas de como acontecem na vida real as relações entre seres humanos” (Caldart, 2023, p. 163).
A apreensão de hábitos e habilidades organizativas pode dar-se por meio da inserção em coletividades que, segundo a autora, “é potencialmente formativa por exigir que cada pessoa se empenhe para construir, no cotidiano e continuamente, relações sociais coerentes com os princípios da organização coletiva” (Caldart, 2023, p. 122). Participar do conselho de classe propicia vivências que contribuem para a construção de aprendizagens que permitem trabalhar colaborativamente, tendo em vista propiciar aos estudantes uma formação voltada à emancipação.
Para além do aprendizado propiciado pela vivência de relações sociais organizadas, o conselho de classe constitui espaço de estudos e reflexões que oportunizam aos que dele participam (professores e demais profissionais envolvidos no trabalho pedagógico, estudantes e seus pais e ou responsáveis) refletir em conjunto sobre a prática educativa, identificando necessidades e possibilidades de avanço. É a função diagnóstica da avaliação aliançada à formativa, permitindo conhecer o real concreto, em particular, as reais condições de aprendizagem dos estudantes para melhor intervir.
O compartilhamento de experiências e saberes também é favorecido pelo conselho de classe. O uso de feedbacks coletivos, característico da avaliação formativa, agrega valor à formação docente, jogando luzes sobre os rumos a serem trilhados. O objetivo comum de propiciar a todos o direito de aprender é o guia que conduz essa caminhada.
Vale ressaltar que a participação de todos e de cada um nos conselhos de classe carrega em si a necessidade da conquista de uma forma de gestão verdadeiramente democrática da vida escolar. Isso porque a prática da participação ativa e coletiva na tomada de decisões referentes ao processo ensino-aprendizagem e, em decorrência, ao desempenho dos estudantes, depende e é fortalecida por fatores associados à organização da escola como um todo. A criação de espaços e tempos para reflexão sobre o trabalho escolar, a escuta atenta e respeitosa dos diferentes sujeitos, a tomada de decisões de forma colaborativa e a descentralização de poderes que confere autonomia aos diferentes segmentos são alguns desses fatores.
A diversidade de percepções dos sujeitos que compõem o conselho de classe enriquece as análises sobre o trabalho pedagógico desenvolvido junto aos estudantes, bem como as decisões que a elas se seguem, visando apontar melhorias alinhadas com as necessidades de todos. O conselho de classe, amparado pela gestão democrática constitui espaço-tempo para que tais reflexões ocorram, permitindo que a implementação de ações oriundas desse processo ocorra de forma integrada. Dessa forma, as escolhas e as responsabilidades são partilhadas entre todos.
Destaca-se o envolvimento de estudantes e pais ou responsáveis nos momentos de conselho de classe. Pesquisa recente realizada pelo Grupo de Estudos em Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico (GEPA) indicou que essa não é uma prática comum em grande parte das escolas públicas do Distrito Federal (Villas Boas et al, 2025), particularmente nas que atendem estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental. É importante lembrar que a formação de sujeitos capazes de se auto-organizarem e trabalharem coletivamente deve iniciar-se na infância, passando pela juventude até a idade adulta. Diferentes formas de auto-organização e em diferentes níveis de complexidade (de acordo com a escola, seu entorno, o grupo de estudantes, o grupo de professores etc.) “podem levar a hábitos organizativos e atitudes voltadas ao bem-estar coletivo” (Caldart, 2023, p. 150). A participação em conselhos de classe desde os primeiros anos escolares é uma das atividades que podem contribuir para que esses hábitos se desenvolvam.
O conselho de classe também ganha quando conta com o envolvimento dos estudantes. Ninguém melhor que eles para dizer sobre como se encontram em relação às aprendizagens construídas e ainda não construídas e sobre o processo que os levou à condição em que hoje se encontram. Suas percepções podem oferecer valiosos indícios de como prosseguir, o que deve ser modificado e como fazer isso. Diz respeito a um olhar que parte de uma perspectiva diferenciada e, por isso, com condições de complementar, enriquecer ou mesmo modificar o que até então se acreditava ideal.
O protagonismo estudantil também se fortalece quando os estudantes deixam de ser os únicos a serem avaliados e assumem, junto aos profissionais que atuam na escola, a responsabilidade de avaliar. Ouvir e valorizar suas opiniões estimula a criticidade e o rigor ético ao analisarem a realidade escolar que vivenciam, além de diminuir ou mesmo dissipar o temor que muitos deles nutrem em relação à avaliação.
A participação dos pais nos conselhos de classe também traz importantes contribuições. Conhecer e compreender a forma como os filhos ou dependentes são avaliados e que medidas são adotadas a partir do que se tem confere transparência ao trabalho pedagógico, aumentando a possibilidade de envolvimento nesse processo. Contar com suas percepções pode auxiliar tanto as análises quanto o trabalho que a elas se segue, incorporando aspectos muitas vezes difíceis ou mesmo impossíveis de serem observados pelos que atuam na escola.
A avaliação informal que costuma ser proferida nos conselhos de classe também poderia ganhar em qualidade com a participação de estudantes e seus pais ou responsáveis nas reuniões de conselho de classe. Isso porque o cuidado com o que é dito sobre o outro costuma ser maior quando avaliador e avaliado estão presentes. Isso não significa que deveria ser assim. Avaliar o outro requer ponderação e ética, mesmo quando ele está ausente. Vale lembrar que os juízos formulados sobre alguém costumam determinar o tratamento dispensado a ele, mesmo quando não proferido ou expresso em forma de gestos. E é aí que começa a “ser jogado o destino dos alunos – para o sucesso ou para o fracasso” (FREITAS et al., 2009, p. 29).
As análises sobre o desempenho dos estudantes feitas no conselho de classe devem ter sempre em vista melhorias, no ensino e nas aprendizagens por eles favorecidas. Insultos, rótulos ou mesmo brincadeiras que humilham e ou ofendem em nada contribuem para isso, além de poder influenciar a opinião de colegas sobre o estudante. Não cabem também comentários sobre a pessoa do estudante ou de seus familiares. Nem mesmo suas condições de vida ou estrutura familiar devem ser alvo de observações. Interessa aqui encontrar meios de viabilizar o progresso de todos os estudantes, centrando esforços no melhoramento do trabalho pedagógico que junto a ele é desenvolvido, seja na escola, seja em sala de aula. Análises voltadas a esse propósito devem ser priorizadas.
Quanto à frequência, os conselhos de classe são, em grande parte das redes de ensino, realizados bimestral ou semestralmente, coincidindo com o registro dos resultados atribuídos aos estudantes de diferentes formas: notas, conceitos, menções, relatórios, etc. Talvez por esse motivo muitos professores se utilizam desses resultados para expressar suas impressões sobre eles. Algumas escolas, alegando escassez ou melhor aproveitamento do tempo, centram suas análises naqueles estudantes cujos resultados foram insatisfatórios ou cujo comportamento não se adequa ao esperado de um “bom aluno”.
Nem a rigidez da periodicidade de tempos com que são realizados os conselhos de classe nem o foco em estudantes considerados “problemáticos” se coadunam com o objetivo maior do conselho de classe que é discutir, sempre que necessário, o trabalho pedagógico em curso, visando reajustá-lo segundo as necessidades de todos os estudantes e não apenas daqueles que estão aquém do esperado. Todos devem avançar continuamente, mesmo os que não requerem atendimento diferenciado. O trabalho com estes estudantes também deve ser discutido no conselho de classe.
Os intervalos entre os conselhos de classe requerem organização que evite uma visão fragmentada do trabalho escolar e do progresso dos estudantes. É importante que as análises e decisões tomadas em cada um deles sejam devidamente registradas a fim de que sejam retomadas no encontro seguinte. Essa medida atende, em particular, aos professores novatos que assim podem se inteirar das discussões realizadas e medidas adotadas anteriormente, dando prosseguimento ao trabalho.
Ainda em relação à periodicidade dos conselhos de classe, vale lembrar que neles se avalia o trabalho pedagógico desenvolvido na escola e em sala de aula, ou seja, ele constitui uma das instâncias responsáveis pela avaliação do trabalho escolar. A definição, por muitas redes de ensino, de datas especificas para realização do conselho de classe não impede que eles aconteçam de acordo com as demandas. Trata-se de necessidades percebidas pelos sujeitos responsáveis pela concretude do trabalho pedagógico e não pelos que ocupam cargo de gestão externos à escola. Retomar o que não está sendo proveitoso exige celeridade que cronogramas pré-definidos podem não contemplar, colocando em risco a progressão contínua das aprendizagens, direito inalienável dos estudantes e dever que cabe à escola cumprir.
Referências:
CALDART, R. S. Sobre as tarefas educativas da escola e a atualidade. São Paulo: Expressão Popular, 2023.
FREITAS, Luíz Carlos de; SORDI, Mara Regina Lemes de; MALAVASI, Maria Márcia Sigrist; FREITAS, Helena Costa Lopes de. Avaliação Educacional: Caminhando pela contramão. Petrópolis-RJ: Vozes, 2009.
PAZ, Rosângela. Os conselhos como forma de gestão das políticas públicas.In.: SCHEINVAR, Estela; ALGEBAILE, Eveline (orgs.). Conselhos Participativos e escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
PISTRAK, M. M. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
VILLAS BOAS, B. M. de F.; FERREIRA, C. S.; DIAS, E. T. G.; SOARES, E. R. M.; SARDINHA, L. C. S. C.; MORAIS, L. G. O.; OLIVEIRA, R. M. S. Lugar da Avaliação nos Projetos Político-Pedagógicos de escolas públicas do Distrito Federal. Curitiba-PR: Editora CRV, 2025.
Para reflexão:
O conselho de classe não costuma ser frequentemente tomado como objeto de estudos e pesquisas, o que reforça a necessidade de escolhê-lo como tema para a construção deste caderno pedagógico. Longe do intento de esgotar a temática, queremos incitar reflexões que possam contribuir para o (re)planejamento desse importante espaço-tempo no âmbito das escolas, de modo que seja conduzido na perspectiva formativa da avaliação. Para isso, apresentamos a seguir alguns itens que poderão incitar reflexões sobre seus propósitos e sua prática. Vamos a eles:
- Por constituir instância essencialmente avaliativa, o conselho de classe está a serviço da construção de aprendizagens pelos estudantes e por toda a escola. É assim que acontece na sua escola? Como planejá-lo e conduzi-lo de modo que atenda a esse propósito? Quais os desafios do trabalho colaborativo como o desenvolvido nos conselhos de classe?
- O conselho de classe é também espaço de formação, uma vez que propicia valiosas aprendizagens aos que dele participam. Como o trabalho pedagógico da escola e de sala de aula se beneficia dessas aprendizagens?
- A participação de pais e estudantes no conselho de classe é bem-vinda e deve ser estimulada. Já participou de alguma discussão sobre essa temática? Já vivenciou essa experiência (como professor ou pai/mãe)? Quais as suas impressões? Conferem com as reflexões desse caderno?
- Cabe ao conselho de classe analisar a conquista de aprendizagens pelos estudantes, detendo-se naqueles que requerem atendimento especial. Durante esse encontro a equipe de professores e os demais profissionais presentes formulam as intervenções pedagógicas para cada caso. Como acontece na sua escola? A avaliação que se faz dos estudantes tem como foco suas aprendizagens ou questões de ordem pessoal são também analisadas? Comente.
- Este texto lhe trouxe contribuições? Outros temas relacionados ao conselho de classe poderiam ter sido incluídos? Quais?
Texto bastante esclarecedor e provocador. Parabéns!
Obrigada, Rose. Esse tema merece análise aprofundada.
Obrigada, Rose. Ele é fruto das nossas discussões.