Contribuições do GEPA à atualização do documento Diretrizes de avaliação educacional: aprendizagem, institucional e em larga escala – 2014-2016, da Secretaria de Educação do Distrito Federal
Benigna Maria de Freitas Villas Boas
Mestra e doutora em educação
Professora emérita da UnB
Enílvia Rocha Morato Soares
Mestra e doutora em educação
Professora aposentada da SEEDF
Este caderno pedagógico contou com a análise final pelos colegas do GEPA: Aldeísa, Camilli, Gleice, Lígia e Helder
Justificativa
A construção do documento Diretrizes de avaliação educacional: aprendizagem, institucional e em larga escala 2014 – 2016 (SEEDF) contou com a colaboração externa da professora Benigna Maria de Freitas Villas Boas, coordenadora do GEPA. Passados 11 anos de sucessivas investidas no sentido de atualizar o documento, previsto para vigorar no período de 2014 a 2016, ele ainda não foi atualizado. Pesquisa desenvolvida pelo GEPA em 2023, sobre o Lugar da avaliação nos projetos Político-pedagógicos de escolas públicas do Distrito Federal (VIILLAS BOAS et al, 2025), encontrou situações que evidenciam a necessidade da sua reorganização. Cabe salientar que todos os professores da rede pública do Distrito Federal, assim como os demais profissionais da educação em exercício nas escolas, possuem formação em nível superior, estando em condições de, supostamente, praticar a avaliação comprometida com a incorporação de aprendizagens pelos estudantes. Contudo, apenas isso não basta: o conjunto das escolas necessita do amparo de orientações pedagógicas bem fundamentadas, robustas e em dia com as produções da área educacional. Por constituir categoria central da organização e desenvolvimento do trabalho pedagógico da escola, a avaliação é responsável, em grande parte, pelo sucesso do trabalho dos professores e estudantes.
Passada mais de uma década desde a publicação das diretrizes que orientam o processo avaliativo desenvolvido pelas escolas públicas do DF, diferentes situações vivenciadas ao longo desse período acarretaram necessidades que foram incorporadas ao trabalho pedagógico, muitas das quais estreitamente vinculadas à avaliação, impondo a atualização ou reorganização desse documento. Um exemplo constituiu a ocorrência da pandemia da covid 19, que introduziu mudanças na vida dos brasileiros e, consequentemente, no trabalho escolar, obrigando as escolas a utilizarem recursos pedagógicos a distância para o atendimento aos estudantes, fato que demandou a reorganização do processo avaliativo, um dos grandes desafios quando se deu o retorno às aulas presenciais. Mudanças na organização do trabalho pedagógico decorrem de avaliação e por ela são acompanhadas. Não é à toa que Freitas (1995, p. 59) a considera “guardiã dos objetivos da escola”.
A pesquisa desenvolvida pelo GEPA mostrou que temas relacionados à avaliação ocupam direta ou indiretamente o maior espaço dos PPPs, demonstrando a necessidade de as escolas contarem com novas diretrizes orientadoras da sua prática. Um exemplo ilustra esse fato: nos últimos anos ganhou corpo a atividade denominada de recomposição das aprendizagens, processo que passou a abrigar o que anteriormente era designado como reforço, recuperação, intervenção pedagógica e outras denominações. A recomposição de aprendizagens resulta da avaliação diagnóstica e se desenvolve com o apoio da avaliação formativa. Diretrizes de avaliação atualizadas deverão incorporar e orientar esse processo, que ainda é apresentado de forma fragmentada nos PPPs analisados.
Diante do exposto, este caderno pedagógico tem o propósito de sinalizar os principais aspectos das diretrizes de avaliação educacional merecedores de sua reorganização, levando em consideração a já mencionada pesquisa desenvolvida pelo GEPA, por meio das seguintes categorias: ciclo da avaliação formativa; singularidades da avaliação nos diferentes contextos escolares; conselho de classe e coordenação pedagógica; recomposição das aprendizagens e letramento em avaliação.
Contribuições à atualização das diretrizes de avaliação
Primeira contribuição: incorporação do ciclo da avaliação formativa
A inclusão do ciclo da avaliação formativa, como a primeira contribuição, tem o propósito de chamar a atenção para esta função avaliativa cujo cerne é a incorporação de aprendizagens por todos os estudantes, com o apoio da avaliação diagnóstica, do feedback pelo professor, da autoavaliação pelo estudante e da avaliação por colegas. Cada uma destas ações se reveste de grande importância na configuração desse ciclo. Vejamos o que cabe a cada uma delas.
A avaliação diagnóstica desencadeia esse ciclo, ao investigar o que os estudantes já aprenderam e o que lhes falta aprender. Meios diversos podem ser utilizados pelo professor, mas ganha destaque a sua observação direta das atividades desenvolvidas pelos estudantes. Uma delas pode oferecer grande contribuição: o acompanhamento dos deveres de casa de cada um deles (ver o Caderno pedagógico sobre o dever de casa). Brookhart (2024) sugere o uso da “pré-avaliação” ou avaliação diagnóstica, como preferimos dizer, para orientar o planejamento do professor e informar os estudantes acerca da introdução de novas aprendizagens. Sua importância é assim resumida: conhecer aprendizagens já incorporadas pelos estudantes, assim como seu interesse pelo tema, existência de pré-requisitos etc. (Idem, p. 23). Para saber mais sobre o tema, sugerimos a leitura do Caderno Pedagógico Ciclo da avaliação formativa: fortalecedor das aprendizagens dos estudantes e dos professores, publicado no site do GEPA: gepaeducacao.com.br, 2025.
A função diagnóstica da avaliação não atua isoladamente nem é episódica. Enquanto o professor acompanha o processo de aprendizagem de cada estudante ele identifica possíveis fragilidades e, prontamente, suas contribuições entram em ação. É o que denominamos de feedback.
No Caderno Pedagógico intitulado: Por que falar sobre feedback é tão importante? (VILLAS BOAS, gepaeducacao.com.br, 2025) tratamos detalhadamente desse tema. Dele retiramos os trechos que se aplicam a este texto. A palavra feedback costuma ser entendida como “devolutiva”, o que o afasta de seus propósitos. A simples devolução aos estudantes de provas e outras atividades produzidas por meios diversos, acompanhadas somente por notas ou rápidas observações como “ótimo, refaça, muito bem, fraco” etc., não corresponde ao que se entende por feedback. Uma prova simplesmente devolvida, com nota, sem que o professor e estudante conversem sobre as fragilidades encontradas e os meios de serem eliminadas não constitui feedback.
Feedback é uma palavra em inglês que não tem sua correspondente em português, já estando incorporada aos nossos dicionários. Feed significa alimentar e back traduz-se por parte de trás, ou atrás, isto é, o que já aconteceu. Ao pé da letra, como se diz, essa palavra expressa o sentido de alimentação das aprendizagens em construção para que se fortaleçam e se desenvolvam. Portanto, ao oferecerem feedback aos estudantes, os professores levam em conta o seu processo de aprendizagem e as possíveis lacunas ainda existentes. Para ser eficaz, precisa ser oferecido enquanto as aprendizagens estão em andamento. Passado muito tempo a ajuda do professor poderá não surtir o efeito desejado (VILLAS BOAS, gepaeducacao.com.br, 2025).
De forma escrita ou oral, feedback constitui a “conversa” necessária entre professor e estudantes, quando lhes são comunicados seus avanços na aprendizagem e as lacunas ainda existentes. O uso da palavra “ainda” é estratégico para o entendimento de que as aprendizagens requerem tempo e dedicação para sua concretização. Os estudantes precisam ser informados sobre isso. Portanto, o feedback resulta da análise permanente do processo de aprendizagem de cada estudante de modo que nenhum deles fique para trás. Eles precisam compreender que esse é o processo ao qual têm direito. Pode ser oferecido a cada um, individualmente, ou em pequenos grupos e até mesmo a toda a turma, se for essa a necessidade. Sempre com ética e respeito para não gerar constrangimento (Ver Caderno pedagógico: por que falar sobre feedback é tão importante?).
O feedback ou as informações dadas aos estudantes para auxiliá-los a dar continuidade ao processo de aprendizagem advém de fontes diversas: professor, colegas, livros e outros materiais de aprendizagem, computador etc. Contudo, o proveniente do professor é o mais importante, assevera Brookhart (2024, p. 31). Esse feedback é normalmente oferecido em resposta ao trabalho do estudante, seja por meio de revisão formal ou de observação de suas atividades em sala de aula, diz a autora, que complementa: “o feedback efetivo oferece informação aos estudantes e professores sobre o alcance dos objetivos de aprendizagem e em quais eles deverão se engajar em seguida” (Idem, p. 31). Baseia-se nos mesmos critérios de desempenho adotados pelos estudantes e professores durante o processo de aprendizagem, o que reforça a necessidade de os estudantes estarem sempre atentos a eles ((VILLAS BOAS, gepaeducacao.com.br, 2025).
Brookhart (Idem) oferece recomendações quanto ao oferecimento de feedback: apontar os aspectos positivos do trabalho e incluir pelo menos uma sugestão para melhoria; referir-se ao critério de desempenho esperado; usar linguagem clara e verificar se foi entendida pelo estudante; definir data para conclusão das atividades (Idem, p. 32). Esta última recomendação contribui para que os estudantes se organizem para o cumprimento dos seus compromissos com o processo de aprendizagem.
Envolver os estudantes no processo avaliativo é central para a sua função formativa. Daí a importância da inclusão da autoavaliação no ciclo da avaliação formativa. Quando eles têm a oportunidade de se autoavaliarem, seu desempenho é mais alto. A autoavaliação e a avaliação por colegas têm se apresentado mais produtivas em ambientes de aprendizagem colaborativa (Idem, p. 41). A autora não recomenda o uso de notas nessas situações.
Os estudantes que praticam a autoavaliação têm mais chance de ampliarem suas aprendizagens e de se tornarem independentes. Praticada rotineiramente, possibilita aos professores dedicarem mais tempo aos que necessitam de sua ajuda (VILLAS BOAS, gepaeducacao.com.br 2025, p. 7).
A avaliação por colegas é outro item do ciclo da avaliação formativa proposto por Brookhart que reconhece que o feedback por eles oferecido pode ser usado para revisarem suas atividades ou justificarem a necessidade de serem refeitas em parte ou integralmente. Duas cabeças funcionam melhor do que uma, reconhece a autora. Para que essas atividades não se desenvolvam de forma superficial, ela aponta quatro estratégias, que podem ser consultadas em VILLAS BOAS, 2025, p. 7, gepaeducacao.com.br
Tanto a autoavaliação quanto a avaliação por colegas constituem ações formativas que se desenvolvem ao longo do processo como contribuição ao avanço das aprendizagens, não devendo atrelar-se a notas. Por serem atividades cognitivas de alto nível, necessitam ser aprendidas e praticadas no dia a dia da sala de aula. Da sua prática decorrem benefícios sociais e emocionais para a formação de estudantes capazes de avaliar seu próprio trabalho, além de oferecer e receber feedback dos colegas.
Segunda contribuição: singularidades da avaliação em cada contexto escolar
Uma grande lacuna foi encontrada nos PPPs: embora apresentem inicialmente a escola e a composição do grupo discente, assim como o número de estudantes que se encontram em cada modalidade, etapa de ensino e ano escolar, ao tratarem do item avaliação, deixam de mencionar suas singularidades em relação a cada um deles. As funções avaliativas formativa e diagnóstica ficam restritas a um item genérico, que simplesmente aborda em que consistem sem se vincularem às especificidades dos estudantes atendidos pela escola. Seria de se esperar que o planejamento de cada função fosse descrito levando em conta as necessidades e peculiaridades dos estudantes. Contrariamente a isso, os itens relacionados à avaliação são iguais ou quase iguais em vários PPPs. Não mencionam o que é próprio do processo avaliativo a ser desenvolvido junto a cada grupo de estudantes: educação infantil, anos iniciais e finais do ensino fundamental, ensino médio, assim como a avaliação praticada em diferentes escolas, como Escola Parque, Centros Interescolares, Escola de Música, Escola dos Meninos e Meninas do Parque da Cidade e outras. O processo avaliativo na Educação de Jovens e Adultos sequer é mencionada nos PPPs analisados, o que é inquietante. A falta de um planejamento particularizado da avaliação constitui dificultador da sua prática formativa, devendo constar nas diretrizes de avaliação.
Outro fato é merecedor de atenção: todas as escolas públicas do DF são inclusivas, o que indica a necessidade de reconhecerem e valorizarem a diversidade dos seus estudantes, assim como o acolhimento e o cuidado de que são merecedores. Contudo, os PPPs analisados não mencionam como o processo avaliativo atende às necessidades específicas dos estudantes. Este é um dos grandes desafios impostos à avaliação que, tradicionalmente, é praticada de maneira uniforme. Reafirmamos: incumbe à sua função formativa promover as aprendizagens de todos os estudantes.
Mesmo afirmando desenvolver a avaliação formativa, encontramos PPPs que incluem a prática de estudantes destaque. A “avaliação que classifica e exclui nega a sua função formativa” (VILLAS BOAS et al, 2025, p. 42). Importante reforçar que, “na escola, a meritocracia tolhe o desenvolvimento das aprendizagens do grupo como um todo. Estudantes que assistem à celebração dos êxitos dos colegas podem se sentir marginalizados e incapacitados. A prática de valorizar estudantes destaque pode deixar os outros desanimados” (VILLAS BOAS et al, 2025, p. 43). Abordagem sobre a inconveniência de práticas meritocráticas na escola, em documento orientador do processo avaliativo nas escolas, poderá inibir iniciativas que visem “preparar” os estudantes para o meio social que é competitivo e excludente. Às nossas escolas cabe, no entanto, formá-los visando tornar mais equânime e justa nossa sociedade, o que demanda o exercício de práticas solidárias.
Terceira contribuição: conselho de classe e coordenação pedagógica
Tratamos neste item destes dois temas porque alguns PPPs os associam. O conselho de classe constitui “atividade escolar destinada a analisar e avaliar o processo de aprendizagem dos estudantes e, ao mesmo tempo, o trabalho pedagógico desenvolvido em cada turma e na instituição” (VILLAS BOAS et al, 2025, p. 97). Ele oferece “contribuição adicional por constituir-se de momentos de formação continuada de todos os que dele participam. Para isso, é planejado cuidadosamente, para garantir a efetiva participação do grupo” (Idem, p. 97). Percebe-se nesse item do PPP a vinculação do conselho de classe à coordenação pedagógica, espaço de formação continuada dos docentes. Excertos de outros PPPs caminham nessa direção: “um trabalho coeso entre a Coordenação Pedagógica e o Conselho de Classe possibilita planejar e avaliar qualitativamente a atuação pedagógica da equipe da escola” (VILLAS BOAS et al, 2025, Escola 52), p. 107); “O conselho de classe e as coordenações pedagógicas coletivas objetivarão encontrar eventuais pontos de dificuldade tanto das crianças quanto da própria instituição de ensino …” VILLAS BOAS et al, 2025, Escola 51), p. 107)).
Mesmo não indicando a articulação conselho de classe e coordenação pedagógica, alguns PPPs dão pistas da sua existência, como no seguinte excerto: “Em nossa escola o conselho de classe é planejado e executado numa perspectiva de avaliação formativa, é um espaço de planejamento, organização, avaliação e retomada da proposta pedagógica da escola. Discutimos as aprendizagens, os resultados das avaliações internas e em larga escala e é momento de autoavaliação da escola” (VILLAS BOAS, et al, 2025, Escola 97, p. 110).
Um dos PPPs analisados deixa clara sua intencionalidade: “favorecer uma avaliação mais completa dos estudantes e do próprio trabalho docente, proporcionando um espaço de reflexão sobre o trabalho que está sendo realizado e possibilitando a tomada de decisão para um novo fazer pedagógico, favorecendo mudanças para estratégias mais adequadas à aprendizagem da turma e/ou aluno” (VILLAS BOAS et al, 2025, p. 99, Escola 62). Este excerto do PPP expande a atuação do conselho de classe, partindo da avaliação das aprendizagens de cada estudante rumo à avaliação do trabalho pedagógico da turma e da escola, em direção a uma prática pedagógica apropriada todos.
O Caderno pedagógico destinado a analisar o conselho de classe registra a sua importância como “instância coletiva que, junto aos demais colegiados que compõem a escola, possibilita a análise do trabalho por ela desenvolvido, permitindo que seja reorganizado sempre que preciso. Assim concebido, o trabalho do qual se ocupa é essencialmente avaliativo. Faz-se necessário, portanto, que as atividades por ele realizadas se pautem pela função formativa da avaliação” (SOARES, Conselho de classe: espaço democrático de análises e decisões, gepaeducacao.com, 2025). Embora as funções diagnóstica e formativa da avaliação sejam as orientadoras do conselho de classe, esta intenção não está presente em todos os PPPs analisados.
Soares acrescenta: “Por não ser estático, o conselho de classe pode ser modificado visando melhorias nele próprio, no trabalho pedagógico que a ele se segue e nas aprendizagens decorrentes de todo o processo” (SOARES, Conselho de classe: espaço democrático de análises e decisões, gepaeducacao.com, 2025).
Por reunirem todos os docentes das turmas cujo trabalho pedagógico será analisado, assim como a equipe pedagógica da escola, os conselhos de classe se deparam com o que um dos PPPs menciona constituir “um dos aspectos mais delicados da avaliação: “[…] procura-se não focar na dita avaliação informal, tão comum nos conselhos de classe e ainda tão relevante em muitas escolas” (VILLAS BOAS, et al, 2025, p. 107, Escola 10). Apenas este PPP mencionou a necessidade de esses encontros terem como foco de análise o processo de aprendizagem de cada estudante, deixando de lado comentários sobre a sua pessoa, não condizentes com o processo de avaliação formativa.
Outro PPP considera que “um trabalho coeso entre a coordenação pedagógica e o conselho de classe possibilita planejar e avaliar qualitativamente a atuação pedagógica de equipe da escola (VILLAS BOAS, et al, Escola 52, p. 107). Esse trabalho conjunto é o que se espera porque seus participantes são os mesmos, com exceção dos conselhos que contam com a participação de discentes. Além disso, o conselho de classe é planejado durante a coordenação pedagógica. O entendimento de que o conselho de classe e a coordenação pedagógica são instâncias que se fortalecem mutuamente precisa, portanto, ser explicitado em diretrizes de avaliação, para que se torne prática comum nas escolas.
Alguns PPPs se pronunciam sobre a coordenação pedagógica: “se destina ao “aprimoramento e melhoria da qualidade do fazer pedagógico” (VILLAS BOAS et al, 2025, Escola 95, p. 117); encarregada de “avaliar o processo ensino-aprendizagem, além dos resultados do desempenho dos alunos e informar os pais” (VILLAS BOAS et al, 2025, Escola 6, p. 117); “momento imprescindível para que o corpo docente analise a situação dos alunos e elabore as estratégias mais adequadas de acordo com a realidade da escola. Todos precisam estar dispostos a colaborar com a aprendizagem do estudante” (VILLAS BOAS et al, 2025, Escola 3, p. 120).
Silva ressalta que a coordenação pedagógica “representa um instrumento de luta pela profissionalização docente, na medida em que contribui para a superação da fragmentação do trabalho pedagógico, de sua rotinização e da desarticulação entre teoria e prática” (SILVA, 2007, p. 150). Além disso, continua a autora, seu grande desafio consiste em “fortalecer a parceria coordenador pedagógico/professores, tendo em vista que os encontros ocupam lugar de destaque no cenário de relações no interior das escolas, podendo contribuir para a revisão do que temos e da previsão do que queremos (p. 151).
Quarta contribuição: recomposição das aprendizagens
A recomposição das aprendizagens constitui objeto de análise de um dos cadernos pedagógicos publicados no site do GEPA, intitulado Avaliação: espinha dorsal de programas de recomposição das aprendizagens (VILLAS BOAS, gepaeducacao.com.br, 2025), que poderá ser consultado. Por esse motivo, faremos aqui considerações gerais. Para início de conversa, a expressão recomposição das aprendizagens entrou em cena em 2022, quando as escolas voltaram a trabalhar presencialmente com os estudantes depois do período crítico da pandemia da covid 19. A partir daí ela foi incorporada ao trabalho pedagógico das escolas públicas do Distrito Federal. Nem todos os PPPs analisados pela pesquisa desenvolvida pelo GEPA sobre o Lugar da avaliação nos Projetos político pedagógicos de escolas públicas do Distrito Federal a incluem. Os que o fazem referem-se a ela como “resposta aos impactos causados pela pandemia da covid 19; recomposição de conteúdos; desenvolvimento semanal do projeto interventivo; revisão de conteúdos; exercícios contínuos de fixação”.
A referida pesquisa encontrou ainda as intervenções pedagógicas nomeadas de diferentes formas: projeto interventivo, estudos de recuperação, reforço, reagrupamentos e recomposição das aprendizagens. Essa diversificação de atividades com o mesmo objetivo empobrece o trabalho escolar e não produz os resultados desejados.
A recomposição das aprendizagens substitui com vantagem as denominações acima, por constituir um processo cuja denominação valoriza os estudantes, além de identificar suas necessidades de aprendizagem, selecionar os recursos de ensino e de avaliação, os momentos e os meios adequados, levando em conta cada contexto escolar. A diversificação de atividades, com denominações variadas, desconcentra os estudantes que, nessa situação, necessitam de apoio e tranquilidade para aprender. Recompor as aprendizagens empodera os estudantes, por significar que estão ao seu alcance e podem ser reorganizadas segundo suas necessidades.
Em 28 de fevereiro de 2025 foi instituído o Decreto nº 12.391, da Presidência da República do Brasil, que cria o Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens, “tendo em vista o disposto no art. 8º, parágrafo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. O Pacto visa “assegurar padrões adequados de aprendizagem e de desenvolvimento dos estudantes da educação básica”, assim como “mitigar os impactos na oferta de serviços educacionais causados por eventos que gerem situação de emergência ou estado de calamidade pública reconhecidos pela União” (Art. 1º, parágrafo único, itens I e II). O decreto foi assinado pelo governo durante a vigência da pandemia da covid 19 que, diante da gravidade da situação, resolveu criar o documento.
A recomposição das aprendizagens não é episódica, mas continuamente desenvolvida, tendo a avaliação diagnóstica como seu ponto de partida. Constitui um processo no qual os estudantes se engajam em estudos e atividades devidamente organizadas para que possam colocar em dia suas aprendizagens de modo a prosseguirem seus estudos com êxito. Resulta da prática de os/as professores/as investigarem continuamente as necessidades de aprendizagem de todos os estudantes para que, prontamente, reconstituam as aprendizagens incompletas. Com essa compreensão, a recomposição das aprendizagens não se coloca ao lado da recuperação, obrigatória pela Lei 9.394, de 1996. Ela a engloba, estratégia que deverá ser incluída no projeto político-pedagógico.
Quinta contribuição: letramento em avaliação
Todas as propostas até agora apresentadas para a construção das novas Diretrizes de Avaliação não se sustentam sem que todos os envolvidos no processo educativo aprendam a avaliar. Daí a necessidade de inserção do letramento em avaliação no documento que irá nortear o processo avaliativo das escolas públicas do Distrito Federal.
Uma prática avaliativa que inclua todos os estudantes na conquista permanente de aprendizagens (sem deixar nenhum para trás); que resulte em intervenções pedagógicas sistemáticas; que valorize os estudantes por meio da avaliação informal encorajadora e que desenvolva a avaliação institucional (incluindo a análise dos dados dos exames externos) de forma participativa requer que professores e demais profissionais da escola, bem como estudantes e seus familiares sejam letrados em avaliação. Em outras palavras, a presença da avaliação formativa nas escolas não prescinde do letramento de todos os envolvidos.
De acordo com Quevedo-Camargo e Scaramucci (2018), letramento é a tradução de literacy, palavra da língua inglesa. Inicialmente referindo-se à condição de saber ler e escrever, a partir dos anos de 1980, em todo o mundo, o termo letramento passou a designar conhecimentos, habilidades e competências, como letramento digital, tecnológico ou acadêmico. Esta perspectiva é que embasa o conceito de letramento em avaliação, afirmam as autoras.
Para Stiggings (1991), professor americano e estudioso do letramento em avaliação, citado por Camargo e Scaramucci, uma sociedade letrada em avaliação requer o preparo dos estudantes para “serem consumidores críticos do feedback fornecido pelos professores, prepará-los para defenderem seus interesses quando se trata de avaliação, ensinar os pais a entenderem o significado das notas de seus filhos, preparar os funcionários das escolas, autoridades e outros protagonistas da comunidade escolar para compreenderem o significado de uma avaliação de qualidade e, obviamente, preparar os professores para que sejam abertos a revisões críticas dos seus próprios sistemas de avaliação”. (Quevedo-Camargo e Scaramucci, 2018, p. 228)
A amplitude do grupo de pessoas letradas em avaliação defendida pelo autor se mostra coerente, para que ela se constitua um exercício dialógico, crítico, reflexivo e participativo, que fomenta a problematização de resultados, percursos e aprendizagens. Ao citar os estudantes em primeiro lugar, o autor os insere no centro do processo avaliativo, uma vez que a escola é para eles e, por isso, precisam aprender a defender seus interesses quanto à conquista de aprendizagens (e não de resultados), a compreender a avaliação a que são submetidos, seu próprio processo de aprendizagem e, a partir disso, buscar meios para prosseguir. A menção ao feedback, pelo autor, é de grande importância, por ser, como já foi mencionado anteriormente, imprescindível para esse progresso. Oferecido sistematicamente, o feedback cria condições para que o estudante alcance ainda o automonitoramento do seu processo de aprendizagem, identificando em que precisa avançar e como fazer para que isso ocorra.
Stiggings (1991) apresenta como necessário o entendimento, pelos pais, do significado das notas de seus filhos, sugerindo que, isoladamente, notas não expressam o que o estudante aprendeu. A “boa” nota, isto é, aquela que dá para passar de ano, apenas tranquiliza os pais, que nem sempre dialogam com os professores sobre a situação de aprendizagem de seus filhos.
Ao defender uma “sociedade letrada em avaliação”, o autor (Stiggings, 1991, p. 228) alerta sobre a relevância do envolvimento de todos: autoridades e outros protagonistas da comunidade escolar, como gestores e outros profissionais da educação. Consideramos que formar os funcionários das escolas (administrativos, da área de limpeza e outros), as autoridades e a comunidade escolar para compreenderem o significado de uma avaliação comprometida com as aprendizagens se mostra bastante pertinente, uma vez que todos eles interagem com os estudantes e seus pais e praticam continuamente a avaliação informal. Devem, portanto, se alinhar às concepções e linguagem dos professores, visando evitar o uso de gestos, observações e comentários que discriminam e desanimam. Segundo Esteban (2021), a presença constante da modalidade informal da avaliação em todos os espaços escolares, muitas vezes desvalorizando os estudantes, merece olhar atento.
Embora reforcem a importância da formação continuada dos professores, os PPPs analisados na pesquisa desenvolvida pelo GEPA (VILLAS BOAS et al, 2025) não fazem referência ao letramento em avaliação. Um dos documentos analisados alertou para a necessidade de revitalização da coordenação pedagógica “objetivando a participação ativa dos profissionais, criando espaços para estudos e discussões de temas pertinentes à educação, através da utilização de textos, jornais, projetos, legislação, sugestões advindas dos profissionais, palestras, fóruns etc.” (VILLAS BOAS, et al, 2025, p. 118, Escola 86).
Os autores da pesquisa lembram, a esse respeito, que “a coordenação pedagógica, concebida pelos PPPs como espaço e tempo de formação continuada na escola, pode se incumbir do letramento em avaliação de todos os que atuam nesse local […]. As escolas públicas do DF têm seu corpo docente renovado com frequência. Tanto os professores que chegam quanto os que ali se encontram há algum tempo têm saberes a disponibilizar. Promover a sua circularidade, isso é, torná-los acessíveis, empodera todos eles.” (VILLAS BOAS, et al, 2025, p. 123)
Os conselhos de classe também concorrem para o letramento em avaliação de todos os seus participantes, inclusive os estudantes. Com este propósito devem ser planejados e desenvolvidos. Deixam, assim, de serem vistos como um momento de acerto de contas, análise da vida do estudante e/ou tomada de decisão por sua aprovação ou reprovação, passando a ser uma oportunidade de encontro para análise conjunta do processo de aprendizagem.
As reuniões com pais/responsáveis também fazem parte do movimento de letramento em avaliação. A prática tem sido a de uso desse espaço para o fornecimento de informações. Para que eles se insiram na sociedade letrada em avaliação, esses encontros precisam ser repensados.
O letramento em avaliação é um processo que se constrói permanentemente, por meio de estudos, pesquisas e interações de várias ordens. Por isso ele se prolonga, entre outros espaços, na formação continuada dos professores, por meios diversos: na própria escola e/ou em cursos, encontros, seminários, debates etc., promovidos pelo sistema de ensino. No entanto, é preciso que, inicialmente, os cursos de licenciatura se incumbam disso. Stiggings (1991) fundamenta esse pressuposto ao lembrar a responsabilidade das universidades, mais especificamente dos cursos de licenciatura quanto ao letramento em avaliação. Pesquisas apontam, no entanto, que esses cursos não privilegiam estudos sobre avaliação. Nem sempre contam com uma disciplina sobre esse tema, ficando inserida na Didática e, comumente, como último item da programação, ao qual nem sempre sobra tempo para estudo e discussão.
Cabe à formação inicial dos docentes a análise aprofundada dos saberes e fazeres sobre avaliação (concepção, propósitos, funções, modalidades, práticas, níveis). Acrescenta-se a relevância das atividades de imersão em atividades escolares, antes da conclusão do curso. É fundamental que os professores dos cursos de licenciatura tenham canal de comunicação com a Secretaria de Educação do DF (SEEDF) para que possam inteirar-se, acompanhar e analisar, com seus estudantes, documentos e propostas em desenvolvimento. Faz parte do letramento em avaliação dos docentes dos cursos e daqueles que estão em processo de formação.
Temos muito a aprender sobre a avaliação. O letramento no assunto pode contribuir enormemente para a formação de professores críticos, capazes de analisar a inconveniência de práticas avaliativas há muito tempo consideradas improducentes, como notas, semana de provas, prova como o único procedimento de avaliação, classificação dos estudantes por meio de notas, dever de casa para preencher o tempo do estudante em casa ou como castigo etc.
A incorporação de saberes e fazeres em avaliação voltados à eliminação do seu caráter classificatório, hierárquico e seletivo exige mudança de concepções e práticas, muitas delas ainda presentes no âmbito das escolas, impedindo a inclusão de todos os estudantes no processo de aprendizagem. O letramento em avaliação é parte imprescindível do processo de superação desta realidade, reforçando a necessidade de que seja explicitado nas Diretrizes guiarão o processo avaliativo das escolas do DF.
Referências
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